Voltar 28 de Setembro de 2021
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Cadê o lixão que estava aqui?

Desde os anos finais do século passado, o mundo está vendo com outros olhos o grave problema da geração e destinação do lixo. Uma cena comum em tempos idos era a presença de famílias inteiras “garimpando” os lixões, ansiosas pela chegada de mais um caminhão com restos de comida e outros materiais servíveis para a população mais pobre.

Essa realidade vem mudando, e os depósitos de lixo têm dado lugar aos aterros sanitários, além de a coleta seletiva ter aumentado bastante. “Mesmo assim, só no Brasil ainda existem três mil lixões ativos. Diminuiu, mas ainda é muito, o que demonstra a necessidade de avançarmos na gestão dos resíduos sólidos”, alerta a mestre em ciências e geógrafa Gabriela Gomes Prol Otero, palestrante do seminário Cidades que Se Reinventam.

Coordenadora técnica da Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais –, Gabriela acumula 13 anos de experiência em consultoria e assessoria ambientais. Na Abrelpe, responde pelas publicações de conteúdo técnico e pela gestão dos projetos de cooperação internacional.

No Panorama dos Resíduos Sólidos do Brasil, em sua 18ª edição, a Abrelpe comemora dez anos da política nacional dos resíduos sólidos. Num balanço da década 2010-19, o relatório da associação indicou 20% de aumento (de 66 milhões de toneladas/ano para 77 milhões de toneladas/ano) na geração de resíduos no país, colocando o Brasil como 5º do mundo no ranking dos geradores de lixo.

Coleta seletiva busca a universalização

“A coleta melhorou – prossegue Gabriela –, mas não acompanha a geração, que não se limita ao ambiente urbano, pois hoje o consumo leva geração de lixo aos mais remotos rincões.” A cobertura da coleta, na década 2010/19, saltou de 88% para 92%, bem próxima da universalização. Os melhores estados: São Paulo (99,6%), Rio de Janeiro (99,5%), Santa Catarina (95,8%), Goiás (96,1%), Rio Grande do Sul (95,5%), Distrito Federal e Paraná (95%). Já os piores são Ceará (80,1%), Rondônia (78,9%), Pará (76,7%), Piauí (69,2%) e Maranhão (63,9%).

A coleta seletiva, no Brasil, cresceu de 66% para 73,9% na década analisada. A região Sul se destaca, com 90,9% de cobertura, enquanto o Centro-Oeste patina em 48%.

Quanto à destinação final de resíduos sólidos, os números são os seguintes: a destinação adequada cresceu de 56,8% (33,4 milhões de ton/ano) para 59,5% (43,4 milhões de ton/ano). Já a destinação inadequada caiu de 43,2% (25,3 milhões de ton/ano) para 40,5% (29,4 milhões de ton/ano – o número absoluto é maior, devido ao aumento do total gerado).

“Saber que ainda há três mil lixões ativos no país é um bom ponto de partida para a virada”, salienta Gabriela Otero. Entre os instrumentos para essa virada, ela cita o novo marco de saneamento, colocando mais regras e estímulos, e as normativas estaduais, mais rigorosas em alguns casos.

Mas a virada ainda enfrenta números adversos, como um crescimento de 19% na geração de resíduos em uma década. Isso causa um impacto na saúde de 77,6 milhões de brasileiros, além de um prejuízo anual estimado em 1 bilhão de dólares na destinação inadequada. Só a região Sudeste responde por metade da geração. Hoje a “indústria do lixo” gera 332.142 empregos diretos, mas esse número pode aumentar, se a destinação adequada crescer.

“Poluição não tem fronteira – reforça a palestrante. Ela tem impacto regionalizado, isso quando não é nacional. Metade da população brasileira é afetada, de alguma forma. Essa metade é um copo meio vazio ou meio cheio? O pessimista vê o recipiente meio vazio, o otimista vê meio cheio. Mas o realista quer saber: quem vai lavar o copo?”

Saber o que se gera é mais um passo para lavar o copo. A composição dos resíduos, hoje tem 45,3% de orgânicos, 14% de rejeitos e os restantes 41% são de recicláveis. Cada brasileiro descarta, em média, 170 quilos de matéria orgânica a cada ano. No país, 13,35 milhões de toneladas de plásticos foram descartados em 2020.

Perspectivas ainda são sombrias

Há muito a se fazer, segundo Gabriela Otero, para diminuir os números no gráfico das perspectivas. Dos 79,6 milhões de toneladas de resíduos gerados em 2020, a projeção indica 50% de aumento na geração até 2050, chegando a 120 milhões de toneladas. Em 2033, neste ritmo, a geração chegará aos 100 milhões de toneladas. “Espero vir aqui, dentro de nove anos, e informar que esse número não foi alcançado.”

E como não alcançá-lo? “Praticando as lições: não gerar, reciclar, trocar (o que não serve pra mim, serve pro outro). Os lixões precisam diminuir mais e mais, até porque não temos muitas áreas disponíveis. O Brasil é grande, mas precisa de áreas para preservação, construir habitações, plantar…”

Cuidar da fração orgânica, diz a palestrante é resolver metade do problema. “A coleta seletiva da fração orgânica significa, claro, menos lixo gerado e uma melhora também da fração seca, que fica mais limpa”, pontua Gabriela. É preciso, já, mitigar as emissões de metano e carbono negro. Só de CO2, hoje, geram-se 96 milhões de toneladas por ano.

A correta destinação do lixo orgânico gera valor agregado em produtos (o biogás, por exemplo, vira gás veicular, biofertilizante, energia elétrica). “Veremos novos negócios, geração de emprego e renda”, garante Gabriela.

As tendências para as próximas décadas incluem contratos de longo prazo e regionalizados, na destinação dos resíduos. Com isso, alcançam-se metas ambientais e climáticas, a sustentabilidade econômico-financeira.

Por fim, Gabriela Otero aponta a adequação à saúde pública, a conservação dos recursos naturais e a proteção ao meio ambiente como princípios fundamentais dos serviços de limpeza urbana.

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