A saúde, num mundo pós-pandemia
A pandemia vai acabar? Provavelmente. A Covid será vencida? Dificilmente. Teremos que conviver com ela, e ainda administrar poucos recursos financeiros e humanos de saúde. O quadro é mais grave quanto menor for o município. Como solucionar essas questões?
Parte das respostas foi dada pelo médico Gonzalo Vecina Neto, ex-secretário de Saúde de São Paulo e primeiro presidente da Anvisa, em sua palestra no seminário Cidades que Se Reinventam. Vecina trouxe dicas e recomendações para lidar com variáveis tão complexas como o atendimento a sequelados e traumatizados e a geração de sinergias entre políticas públicas voltadas à saúde.
“Vamos criar uma discussão fundamental – diz Vecina – em relação ao futuro da pandemia e do SUS, que precisamos enfrentar. O que fazer, em nível de município, para oferecer melhores condições de vida aos nossos cidadãos?”
Primeiro, responde, com os recursos escassos que existem. “Vai ter que existir algum tipo de inovação, de criar novidades. O SUS é um instrumento fundamental para o enfrentamento da crise, que já dura mais de um ano e meio. O SUS se instrumentaliza a partir dos municípios.”
A pandemia, salienta Vecina, ainda não acabou, pois a variante delta continua infectando pessoas. “Haverá repique, como no mundo. Vamos aplicar as vacinas. À medida que avançarmos na vacinação, em todas as idades, o quadro vai melhorar”, espera o médico.
Novas agendas
Um grande problema a ser enfrentado, segundo o palestrante, são as novas agendas: “Descobrimos que tanto a imunogenicidade (capacidade de uma substância provocar uma resposta imune, como o desenvolvimento de anticorpos antimedicamentos biológicos pelo sistema imune do paciente) de quem teve a doença, quanto de quem se vacinou, decai. Por isso, a necessidade de reforço. Depois, a revacinação de toda a população”.
Para ele, boas notícias vêm dos laboratórios que produzem ou pretendem produzir vacinas no Brasil, como a Astrazeneca e a Butanvac. “Outra empresa estrangeira pretende produzir vacina de RNA mensageiro, mas isso demora.
De qualquer forma, teremos vacina e uma convivência diferente com a doença.”
E o que isso significa para um secretário municipal de Saúde? “Significa que as unidades de saúde ainda estarão atendendo pacientes vítimas da Covid, e ele deverá estar preocupado com o calendário geral de vacinação. Esse ano foi terrível para a vacinação no Brasil. Das 300 milhões de doses que o país deveria dar, deu uns 40 por cento. Para vacinar precisa estrutura e vacina. Isso nós temos, o que está faltando é comunicação, é chamar as pessoas para a vacinação. Isto é importante.” E esse problema, teme o ex-presidente da Anvisa, vai continuar: “Se quiser vacinar, crie um plano de comunicação na sua cidade. Utilize os veículos de imprensa, rádios comunitárias, redes sociais… Nas unidades de saúde, não só os médicos, mas enfermeiros, funcionários e agentes comunitários devem ter a informação sempre. Utilizem tecnologia da informação: serviço 0800, internet, telemedicina”.
Vecina enfatiza a importância de todas as unidades de saúde terem oxímetros, que medem a capacidade pulmonar. Hoje, informa, todas as unidades têm pelo menos dois oxímetros. “Aproveite e converse sobre outras agendas, como o atendimento a quem vier a ter Covid. E alerte sempre: ter Covid ou ser vacinado não garante imunidade, mas reduz riscos. E as outras medidas de cuidado, agora permanentes: manter o distanciamento, usar máscara, manter ambientes ventilados.”
É importante ter, nas unidades de saúde, planejamento para orientar as pessoas. “A Covid veio para ficar. Vamos controlar a doença com a vacinação, mas ela não vai desaparecer.”
Outra agenda destacada por Vecina: assistência à Covid longa, em que os sintomas persistem após a doença ir embora, como a perda de massa muscular. “Voltamos a ter subnutrição”, lamenta o médico.
Como o município pode atuar frente a essas novas agendas? “Colocando a sociedade para trabalhar, criando um movimento solidário para levar comida às populações desassistidas. É imperativo criar protocolos, padronizar a melhor maneira de fazer as coisas. Ter a capacidade de transferir conhecimentos, manter a educação permanente.”
E o pós-pandemia inclui outra agenda: atendimento às doenças que deixamos de atender, as crônicas degenerativas, como hipertensão, diabetes, saúde mental. “Na atenção primária, precisamos dar um jeito de atender esses problemas. Além disso, há o atendimento farmacêutico; precisamos de mais unidades de farmácia popular.”
Importante, também, é se estruturar com o estado para melhorar o acesso entre a saúde secundária e a terciária. Criar comissões bipartite, espaços intergovernamentais, políticos e técnicos em que ocorrem o planejamento, a negociação e a implementação das políticas de saúde pública.
Vecina aconselha aos gestores municipais: “Muna-se de insistência, criatividade e leve aos trabalhadores na saúde essa disposição de enfrentar os problemas locais e que vão continuar, pelo menos, no ano que vem. Com criatividade, podemos enfrentar uma parte dos problemas. É importante combater a doença com as medidas que temos e aceitar os desafios que ainda vêm”.
Quanto ao SUS, deve ser mantido funcionando, financiado por nossos impostos. “A população deve exigir isso, cobrar nas próximas eleições. O sistema é importante instrumento na luta contra a desigualdade estrutural. Saúde é instrumento contra as desigualdades. A humanidade depende, para continuar existindo, de uma melhor distribuição de recursos e vida mais igual para todos. Reinventem seus municípios.”