O poder do cooperativismo
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Uma pequena cidade do interior que sai, em poucos anos, do nível das pobres nações saarianas para se ombrear aos países nórdicos. Na China? Não, em Minas Gerais. A cidade é São Roque de Minas, que em 1991 viu fechar-se o único banco da cidade, e hoje gera um PIB de 700 milhões de reais. A maior responsável por esse salto foi a Saromcredi – Cooperativa de Crédito de São Roque de Minas. Para contar essa história, o seminário Cidades que Se Reinventam incluiu em sua programação uma palestra do engenheiro agrônomo, produtor rural e empresário João Carlos Leite, fundador da cooperativa e atual presidente da Aprocan – Associação dos Produtores de Queijo Canastra.
São Roque de Minas situa-se aos pés da serra da Canastra, abrigando a nascente do rio São Francisco. Ainda que tenha nascido na vizinha Bambuí, João Leite tem a vida ligada a São Roque. “Como meu município – testemunha – meu povo se reencontrou, se reinventou no cooperativismo de crédito. Saímos da miséria de um passado triste e hoje estamos em franca expansão e geração de riqueza e de oportunidades.”
Em 1960 São Roque tinha 10.200 habitantes. Em 1990 esse número caiu para 6.100, devido ao êxodo rural e à falta de oportunidades. João Leite conta: “Filho de rico saía pra estudar, se formava e não voltava mais. Filho de pobre saía em busca de emprego e não voltava mais. Assim, a população foi diminuindo”.
Em 1988, formado agrônomo, Leite decidiu se estabelecer em São Roque, onde abriu um comércio agrícola. Seu relato: “Fui o quarto filho de São Roque a voltar formado. Vi pobreza, miséria, casas de pau-a-pique, mendigos. Fiz um diagnóstico ruim: o que plantávamos não era suficiente nem para a subsistência, precisávamos comprar comida fora. Quando eu compro comida fora, exporto dinheiro”.
A cidade tinha três fontes de arrecadação: a pecuária, a receita tributária e o salário dos aposentados. Para administrar esses ativos, uma única instituição, uma filial da Minas Caixa. “A Minas Caixa movia a economia, mas era uma instituição de captação de poupança, não emprestava dinheiro. Em 1991 o banco foi liquidado. São Roque praticamente desapareceu. Tudo era feito em cidades vizinhas. Tentamos trazer BB e Bradesco, que se negaram a abrir agências.”
Mudar-se ou mudar a cidade?
Esse foi o dilema de muitos moradores.
Foi então que João Leite conheceu o crédito cooperativo. Ele conta: “Juntamos um grupo de produtores rurais e montamos uma cooperativa de crédito rural. Em outubro de 1991 inauguramos a Cooperativa de Crédito Rural de São Roque de Minas Ltda., a Saromcredi. Com o tempo, comerciantes também entraram, a Prefeitura passou a trabalhar conosco, passamos a pagar os aposentados. Até 1993 resgatamos tudo que havíamos perdido com o fechamento da Minas Caixa. Resgatamos algo mais: o orgulho de São Roque de Minas”.
A partir de 1994, com a estabilização da economia, a cooperativa passou a incentivar operações de crédito, para gerar dividendos. “Mais dinheiro, mais produção, mais dinheiro… Quanto mais produzimos ativos financeiros, com a poupança local, mais incrementamos as atividades econômicas.” Entre elas o plantio de café, antes incipiente e hoje produzindo mais de 35 milhões de pés. “Vamos colher 250 mil sacas; a 1.000 reais a saca, são 250 milhões!”, comemora o agrônomo.
Prestes a completar 30 anos de história, o Saromcredi associou-se ao Sicoob – Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, conquistou novas praças e se transformou em uma das maiores cooperativas do estado. A Cooperativa oferece todas as soluções financeiras para pessoas física e jurídica, produtores rurais e órgãos públicos, além de fomentar projetos de desenvolvimento socioeconômicos, valorizando o empreendedorismo, a educação financeira e a qualidade de vida nas comunidades.
Educação cooperada
Em 1997, após um giro pela Europa, João Leite viu que lá investe-se em educação para cooperados, filhos de associados e comunidade. Ele foi à ação: “Em 1999 revendi sete sacas de café e montamos a Cooperativa Educacional de São Roque, ensino pedagógico. Nossos filhos passaram a ficar aqui e se preparar para a vida. Já temos 17 médicos formados. Meu filho mais velho, por exemplo, formou-se arquiteto na Itália e hoje cuida da queijaria aqui em São Roque”. O modelo foi levado para as escolas públicas, com sucesso.
Outro case de sucesso é o famoso queijo canastra. Conta João Leite: “Sempre tiramos leite e produzimos queijo. Só que a legislação brasileira, de 1950, proíbe fazer queijo de leite cru. Na Europa pode, e rende bilhões de euros”.
Foi então que entrou na história o então secretário de Agricultura mineiro Alisson Paulinelli, ex-ministro do governo Geisel, criador da Embrapa. À frente da secretaria, ele criou um programa de agricultura artesanal. João entrou na parada: “Fui nomeado coordenador do programa de qualificação de queijo canastra. Nos anos 2000 iniciamos a luta pela legalização da produção artesanal. Alisson trouxe os franceses e a tecnologia da organização da cadeia produtiva, com gerenciamento financeiro da cooperativa”.
Foi criada a indicação geográfica do queijo canastra, e agora a cooperativa trabalha para que o café local tenha a mesma distinção. E o esforço não para: “Vamos legalizar a criação de porco caipira. Vamos produzir presunto, investir em charcutaria”.
Hoje a Saromcredi administra 540 milhões de reais, com previsão de fechar o ano em 700 milhões. “Estamos incorporando duas cooperativas vizinhas, e temos expectativa de chegar a 1 bilhão em ativos no ano que vem”, prevê João Leite. Tudo graças ao poder do cooperativismo de crédito.
A conclusão: de 2008 a 2016, o Brasil cresceu 33%, Minas 27% e são Roque de Minas 57%. “Como a China. Em vez de mudar de São Roque, mudamos São Roque!”.